Desde quando desembarcamos no Atol das Rocas percebemos que quem dá as ordens por aqui é a natureza! Não temos alternativa senão nos submeter às variações do mar e dos ventos, às fases da lua, às grandes ondas e às calmarias. Uma rotina rígida e inegociável à qual se contrapõe uma beleza extraordinária. É nesse cenário de contrastes que o trabalho de microchipagem de quelônios marinhos é realizado pelos pesquisadores que escolheram se dedicar ao Atol das Rocas.
Este diário de bordo convida a todos para um rápido embarque na nossa rotina de trabalho; em poucas linhas, o leitor terá uma noção dos esforços empreendidos pelas equipes de pesquisadores, na incansável busca pelo conhecimento sobre as tartarugas marinhas.
Agora são oito da noite. O próximo pico de maré alta será as duas e trinta da manhã. Já é hora de checar todo material de campo (TAG, microchip, seringas, luvas, pranchetas, lanterna, capa de chuva, e demais equipamentos), comer algo e ir descansar, pois o trabalho de campo terá início por volta de uma da manhã. É assim todos os dias: acompanhamos pela tábua de marés os picos de marés altas que ocorrem durante o período noturno e saímos cerca de uma hora e meia antes do estofo da maré. Antes de sair da Estação (alojamento que dá apoio às atividades da REBIO Atol das Rocas), ainda é preciso checar as condições do tempo (vento, chuvas, ondas) para que as atividades sejam realizadas com plena segurança.
Aqui, o tempo muda num piscar de olhos, logo todo cuidado é pouco, afinal estamos a 260 quilômetros do continente mais próximo!
Nossas atividades se concentram na Ilha do Farol, a qual possui 800 m de comprimento por 300 m de largura máxima, sendo assim trinta minutos de caminhada é tempo suficiente para circundá-la por completo. Mas, não se enganem! Esta é a segunda maior área de desova de tartarugas verdes do país, portanto os trabalhos podem durar mais de quatro horas dependendo do número de tartarugas flagradas na mesma noite.
As tartarugas marinhas fêmeas, da espécie Chelonia mydas, saem da água e depositam seus ovos, durante a noite e com a maré alta. E é no momento que flagramos uma ocorrência que entramos em ação! Uma vez avistadas, nossa aproximação ocorre após o início da desova, caso contrário, os animais podem se assustar e retornar ao mar. O próximo passo é confirmar se a tartaruga já possui um microchip aproximando o TAG (leitor) na nadadeira anterior esquerda – caso não possua, inserimos o microchip conforme procedimento padrão estabelecido; caso possua, anotamos o número que aparece no leitor na prancheta de campo, bem como outras informações pertinentes observadas.
Nossa equipe chegou ao Atol das Rocas em abril/16, período que as desovas de “novas” tartarugas (sem microchip) já está em declínio. Mas, o registro do retorno dos animais microchipados é peça fundamental da pesquisa, sendo importante confirmar se a tartaruga desovou ou não, e não apenas conferir se a mesma possui o microchip.
Por outro lado, estamos no período de nascimento dos filhotes. A espécie Chelonia mydas é a única que possui a “barriguinha” branca, tornando seus filhotes ainda mais fofos. Mas, para que toda essas fofuras sobrevivam, precisam enfrentar um amplo leque de predadores naturais entre aves (o Atol abriga cerca de 150.000 aves marinhas voadoras), caranguejos (principalmente espécies endêmicas como Johngarthia lagostoma eGrapsus grapsus), polvos e peixes. É um desafio e tanto!
Bom, agora são quatro da manhã e a maré já está bem seca. As tartarugas marinhas já voltaram para o mar e é hora de voltarmos para casa também.