A Reserva Biológica (ReBio) do Atol das Rocas é um dos locais do litoral brasileiro que primeiro ofereceu refúgio livre da predação humana às tartarugas marinhas. A própria criação da reserva foi fortemente influenciada pela necessidade de protegê-las.
Das 7 espécies de tartarugas marinhas, 5 habitam os mares brasileiros e duas ocorrem no atol e suas imediações: a tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata) e a tartaruga-verde (Chelonia mydas). A primeira utiliza o local apenas como área de alimentação, enquanto a segunda nidifica nas ilhas.
A tartaruga-verde é o foco do nosso trabalho. É a segunda maior espécie entre as tartarugas marinhas – até 140 centímetros de comprimento de carapaça e 160 kg -, perdendo apenas para a tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea). Distribui-se em zonas tropicais e subtropicais próximas à costa e ao redor de ilhas, sendo raramente observadas em alto-mar. Suas áreas de forrageio são costeiras e com muita vegetação. Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), é categorizada como ameaçada de extinção.
Os principais locais de desova da tartaruga-verde no Brasil são as ilhas oceânicas, além de pontos de nidificação ocasionais no continente. Na ReBio do Atol das Rocas, a temporada reprodutiva se inicia em novembro e vai até julho. De novembro a fevereiro ocorrem as cópulas, de janeiro a maio, as desovas e, finalmente, os nascimentos acontecem de março a julho.
Nosso trabalho consiste em realizar a biometria (medidas de partes específicas do corpo do animal) e inserir um microchip nas tartarugas, de modo que cada indivíduo possa ser identificado através de um código numérico, acessível por um leitor eletrônico. Entretanto, estes procedimentos são realizados somente com as fêmeas, pois ao depositarem seus ovos, sua atenção fica praticamente toda voltada para a postura, a ponto de elas quase não percebem o que ocorre ao seu redor, permitindo então que a metodologia seja realizada.
Devido ao fato do Atol das Rocas ser formado por um anel de recifes que impede as tartarugas de acessarem a praia durante a maré baixa, o primeiro passo para irmos de encontro a elas é saber os horários das marés altas noturnas, já que as desovas ocorrem somente à noite.
As ondas atingem as praias, possibilitando a chegada das tartarugas, de aproximadamente duas horas antes até duas horas após o pico da maré alta.
Durante esse período, as tartarugas sobem a praia e buscam um local protegido das ondas para nidificar. Fazemos então uma busca pelos rastros deixados por elas na areia, facilmente reconhecíveis porque se assemelham às marcas deixadas por um pneu de trator. Rastros feitos nas noites anteriores podem ser facilmente reconhecidos porque tendem a perder a definição ao longo dos dias, devido à ação do vento, da chuva e do rastejar dos caranguejos, ou ficarem marcados pelo nosso próprio pisoteio.
Ao detectarmos um rastro recente, o seguimos até que a tartaruga seja localizada – caso ela esteja saindo da água ou rastejando praia acima, evitamos a abordagem, uma vez que ela pode se assustar, abortar a postura e retornar ao mar.
Após escolher o local que julga ser adequado para a nidificação, a tartaruga utiliza as nadadeiras dianteiras para abrir uma clareira ampla, um pouco maior que seu corpo, de aproximadamente 50 cm de profundidade, a chamada “cama”. Em seguida ela cava dentro da cama, com o auxílio das nadadeiras traseiras, o ninho propriamente dito: um buraco mais um menos cilíndrico, com aproximadamente 25 cm de diâmetro e outros 50 cm de profundidade.
Há casos em que a tartaruga rasteja por até algumas horas, adentrando à área de vegetação e aos ninhais de aves, e retorna ao mar sem ao menos escavar o ninho. Em outras situações, ela inicia a construção do ninho em locais diferentes, mas desiste de todos e volta ao mar.
De qualquer forma, esperamos até a postura dos ovos – de 100 a 120, aproximadamente – para iniciarmos os procedimentos. Inicialmente, utilizamos o leitor de microchip para averiguar se a tartaruga já não tenha sido marcada anteriormente. Caso contrário, inserimos, com um aplicador de agulha, um microchip na nadadeira dianteira esquerda, diretamente no músculo tríceps, onde ele será encapsulado por tecido conjuntivo fibroso e não migrará a partir do ponto de inserção. Após checarmos a leitura do microchip inserido, partimos para as medidas de biometria: o comprimento e a largura curvilíneos da carapaça.
Até o momento já microchipamos 40 tartarugas-verdes, das quais 17 retornaram para nova desova depois de 11 a 14 dias – cada fêmea pode desovar até 6 vezes numa mesma temporada de reprodução, em locais diferentes. Como elas retornam a cada dois anos para se reproduzir, nos reencontraremos em 2018 com aquelas que microchipamos este ano.